Porto Essencial

Qual é para ti a essência do Porto?

Essência [[Essência (wikipédia)

s.f.

1. As propriedades intrínsecas ou indispensáveis que caraterizam ou identificam alguma coisa.

2. O ingrediente mais importante, o elemento crucial.

3. A natureza inerente, imutável, de uma coisa ou classe de coisas.]]
A essência é o rio, o mar, as montanhas: a cidade é 1/3 rio, 1/3 mar e 1/3 montanhas.

O rio e o mar. A combinação entre os dois, a forma como ambos se encontram, é muito especial. Vens de uma grande avenida com um toque inglês [[A expressão “para Inglês ver” remonta aos tempos das Invasões Francesas e após a partida da família real Portuguesa para o Brasil. Portugal passou a ser uma espécie de protetorado Inglês assim que começaram as guerras peninsulares contra os Franceses. O Rei pediu aos Ingleses para tomarem conta de Portugal enquanto estava no Brasil. Sendo assim, os Ingleses assumiram o comando da máquina militar Portuguesa na luta conjunta contra França.
O grande problema que os Ingleses enfrentaram ao chegar a Portugal foi a desorganização geral dos Portugueses. Com as novas imposições organizacionais dos Ingleses, os Portugueses viram-se obrigados a organizarem-se no modo possível. Assim sendo, sempre que saía uma lei ou era necessário apresentar um relatório a um general Inglês, o Português lá tinha que organizar tudo muito bem e por escrito, para mostrar aos Ingleses que estava tudo em ordem. Na prática era só papel e servia apenas para demostrar teoricamente que tudo estava OK. Mas na realidade a situação era bem diferente e muito possivelmente as regras não eram cumpridas pela população que nem sequer estava muito virada para acatar ordens ou conselhos de estrangeiros.
]] colonial e entras na cidade velha, com uma atmosfera medieval.

A essência do Porto é a sua dimensão. Cidade pequena mas nobre. Cheia de grandes contrastes, mas que nunca se chocam. Cidade de bairros ricos e pobres. Cidade de gente que gosta de receber estrangeiros.

O Porto está dividido em tantas freguesias: Aldoar, Bonfim, Campanhã, Cedofeita, Foz de Douro, Lordelo Do Ouro, Massarelos, Miragaia, Nevogilde, Paranhos, Santo Ildefonso, Ramalde, São Nicolau, Sé e Vitória…15 freguesias !

Historicamente, as classes trabalhadoras e os comerciantes habitam no Centro da Cidade, enquanto as classes mais privilegiadas partiram para os arredores, para lugares como a Foz do Douro, próximos ao mar. Depois de ter sido considerada Património Mundial da Humanidade, a zona de Ribeira, no Centro Histórico do Porto, tornou-se um verdadeiro cartão postal da cidade. As belas fachadas não são suficientes para esconder o estado avançado de deterioração de muitos edifícios, para esconder o exodo progressivo de uma população socialmente fragilizada, cujos desejos de permanência não foram tidos em conta pelas políticas públicas locais. Há iniciativas…como Arrebita. [[Arrebita! é um projeto inovador de empreendedorismo social ide repovoamento e dinamização da cidade através da reabilitação de prédios a custo zero. Para mais informações e para participar: http://www.arrebita.org]] Temos que começar a mudar o rumo das coisas…

A luz incerta. O contraste entre o granito e o mar. O sólido e o líquido. A segurança e o incerto. O enorme contraste entre o rio e o mar, ambos entre o belo e perigoso.

O clima porque as pessoas falam muito sobre esse assunto e porque é o motor das luzes na cidade. No mesmo dia as luzes podem variar muito aqui. Podes mesmo ter metade de uma rua com sol e a outra metade com chuva. As pessoas costumam dizer muitas coisas sobre o clima, como por exemplo: “Quando sentes dor nas articulações é porque o tempo vai mudar”. [[Quando sentes dor nas articulações o se queres começar a praticar actividade física : Ver pág. X « Yoga sobre o Porto » no segundo ato « Cidade física »]]

O ambiente é rural.

Nos dias de hoje ainda é possível ver-se vacas leiteiras no Metro do Porto…

O Porto é uma cidade com uma boa escala, onde existe um lugar para o tradicional [[Para mais informações Ver pág. X « Artesanato ».]] e onde a vida é suportável. É possível parar para o almoço e comer sentado com amigos. A vida profissional está geralmente bem integrada com a esfera social.

As pessoas. É difícil dizer… Vejo nas pessoas algo como a espera deste mito: quando alguém constrói uma ponte [[Cruzar o Douro não tem sido fácil e a história da cidade está ligada à história da construção de suas pontes. A Ponte da Arrábida (inaugurada em 1963) é uma obra impressionante cujo vão de 270 metros foi durante algum tempo o record mundial para pontes em arco de betão armado.]] é punido porque está a unir artificialmente duas coisas que nasceram separadas. As pessoas esperam pela ligação. Não fazem as ligações tão facilmente por elas próprias e quando está feito é um compromisso sério. Não podes falhar. Precisas de fazer um grande esforço e não podes confiar que os outros façam o mesmo tipo de investimento. Há muitas personagens no Porto. Pedintes, pessoas que repetem a mesma frase, pessoas um pouco malucas que aparecem mais à noite. Há também muita solidão e lugares onde de repente não vês quase ninguém na rua.

«É preciso bons sapatos para andar no Porto». Descobri isto na primeira frase de um guia turístico publicado em 1930. A natureza pitoresca do Porto advém do chão irregular que desce em socalcos até ao rio Douro. [[

O rio Douro. É uma cidade virada para o Douro. O mar sempre foi ignorado. A Alfândega é um porto de saída de bens do Porto e ao mesmo tempo as coisas sempre chegaram pelo rio.

O rio. O comércio. O rio como barreira, ecossistema e transporte. O rio é a chave.

A essência do Porto para mim é a sombra que o granito traz à cidade durante as manhãs de Verão, e o nevoeiro com cheiro a mar que em certos dias cobre o rio.

O mistério do Porto: o nevoeiro, escorregadio no Inverno. É uma cidade dura. Lisboa é sensual. As pessoas mexem as ancas quando andam na rua. O Porto é mais duro. No Porto, tens de atravessar a cidade. É feita de pedra, granito. É menos suave que Lisboa.

O Porto é fechado arquitetonicamente. Lisboa tem avenidas solarengas e o Porto um labirinto de ruas intricadas.

O mistério. Esta espécie de fog persistente, pelo menos durante a metade fria do ano e durante algumas manhãs de Verão. Desaparece subitamente e a cidade mostra-se radiosa. Qualquer coisa que está por baixo e não se vê muito bem. O mistério. [ Para os amantes do mistério Ver Fantasmas]]

Para mim a essência é a História, o peso da História. A ligação com o Brasil, a Igreja da Lapa: [[Localizaçao : Largo da Lapa / O coração de D. Pedro IV oferecido à cidade pela viúva a Imperatriz D. Amélia de Beauharnais, cumprindo o desejo do marido. De 4 em 4 anos a porta é aberta, por funcionários da Câmara Municipal do Porto, de modo a poder substituir o líquido na jarra em que o coração está inserido. (wikipédia) ]] o coração do primeiro Imperador do Brasil está lá. O corpo no Brasil, o coração no Porto. Esta igreja é perto da Praça da República.

A ideia de burgo. Uma estrutura de cidade com muitas vibrações. Uma cidade que depende do comércio, da troca. As pessoas consideram-se bons trabalhadores. Em Portugal, as pessoas estão a perder os empregos, principalmente na Região Norte. O Porto é a segunda cidade de Portugal, que é um país muito pequeno. Nunca me mudaria para outra cidade europeia. Podes atravessar a cidade a pé [[Propostas de passeios a pé ver Mapa “Percursos Sensoriais”, Pág. X ]] , a oferta cultural tem vindo a melhorar imenso, ainda é calma e segura, tem uma boa Universidade, rio e mar. As pessoas queixam-se muito, isso é muito Português. A essência das pessoas: o queixume. Precisamos da ficção porque as coisas são muito difíceis hoje.

Há memórias dolorosas aqui: no século XVIII, durante as Invasões Francesas, as pessoas tentaram fugir atravessando o rio e morreram afogadas. A ponte terá sido sabotada como medida contra o avanço do inimigo… Na Ribeira, ao pé do túnel ainda há um painel que evoca as vítimas. Um painel em bronze. Há mitos, há um culto dos mortos.

O Porto tem sido para mim um espaço de experimentação, criação, de encontro com pessoas, atos e eventos de efeito transformador.

A essência do Porto é a experiência do tempo. Há muito lugar para a fraterna contemplação. Há muita prática de esplanada como forma de vida: o tempo parece todo sabido, o que nos faz um pouco fora da história. Nem sempre é bom. Mas tem essa dimensão de portal para qualquer momento da História. E isso é terreno mais que fértil para a criação.

Muito melancólica. Mas este aspeto pode ser fascinante. Tem um certo encanto. Mas tenho medo que esse encanto desapareça. [[« Au fond toute la mélancolie est un miroir, un lieu où se brise le mariage entre le soi et la vie, où le présent s’arrête, repoussé doucement par un sentiment de fragilité ontologique face au théâtre du monde. Le sentiment de mélancolie semble s’inscrire dans une constellation d’états d’âme qui vont de la tristesse à l’angoisse, sans oublier l’ennui. Dans la mesure où elle appartient à la sphère psychologique, il y a des interférences entre ces trois états d’âme, tout particulièrement entre la tristesse et l’ennui. L’angoisse est plus claire. Moins indistincte, elle mène l’être à la limite de sa propre négation. Mais ce n’est pas la vie soustraite à l’avenir, asphyxiée par un présent sans dimensions. Il nous manque le temps et le temps nous manque (…) D’une certaine manière, l’angoisse est un excès de vie et d’impatience et elle n’est ni d’accord avec le futur ni ne projette en lui les couleurs de son angoisse. Au contraire de la mélancolie, l’angoisse ne joue pas avec le temps – tout est urgence, même la mémoire reste en suspend – Le champ de l’angoisse est celui de l’imagination, imagination du pire duquel le réel est exclu. L’ennui nous conduit vers le réel, vers le temps, mais pas pour jouer avec le temps, comme c’est le cas de la mélancolie : subjuguer par la réalité, nous sommes simultanément dissociés d’elle, privée du cordon qui nous rattache à elle (…). Le temps se suspend, au mieux tournant en rond autours de lui-même. » EDUARDO LOURENÇO]]

Eu sou contra o Porto. Não compreendo a admiração beata que se tem pelo Porto. É uma cidade decadente. O Centro está completamente em ruína, vazio dos seus habitantes. [[Isso é  verdade: “Só na última década o centro do Porto perdeu um terço da população.” (Census 2011); mas também há iniciativas para mudar : Ver “Exorcismos – Porto Verde” Pág. X]] Espanta-me que todos os anos se publiquem 20 ou 30 livros sobre o Porto. Há mais livros publicados sobre o Porto do que sobre Lisboa. É Lisboa que é a cidade mais importante. As decisões são tomadas em Lisboa. O Porto teve coisas bonitas mas hoje é decadente.

A essência de uma cidade pode ser tudo. A ideia de cheiro ou a ideia de coração da cidade. A essência é obviamente a pedra. Palavra metafórica, palavra literal, palavra de construção da cidade que é resgatada à encosta. Nome de mar. Não é uma cidade de mar é uma cidade barricada contra o mar. Defende-se contra o mar. Definida pela defensiva até no seu quotidiano.

Uma caraterística é a sua inocência. O Porto ainda não entendeu o valor que tem. O povo não tem o controlo da própria cidade. A cidade sempre foi virada para si mesma. Orgulhosa e teimosa. E ao mesmo tempo inocente. A cidade tem muitas qualidades e deve deixar de estar de costas viradas e amuada e deve preocupar-se em construir.

O primeiro impacto é que é muito bonita, mas depois parece ser muito fechada. Existe um convite óbvio para entrarmos nessa beleza. É como se tivesse várias portas. Bate-se numa delas e entra-se num corredor escuro. Quando se chega ao fundo do corredor encontra-se uma sala com uma festa fantástica cheia de gente. À primeira vista as pessoas parecem sisudas e desconfiadas, mas quando falas com elas, elas sorriem.

É uma cidade muito territorial. No final dos anos 90 aconteceu um grande buraco. Naquela altura, era perigoso andar na rua depois das 8 da noite. A Ribeira, que era um espaço onde se juntava muita gente, ficou inativo. O exemplo do bar Aniki Bóbó. [[Para saber mais sobre os fantasmas da cidade, particularmente sobre o fantasma do Aniki Bobo, Ver Fantasmas]]

Há uma grande resistência: as pessoas querem desenvolver projetos e ainda lutam, mesmo que as condições não sejam ideais. Não vivemos numa capital. Não queremos o mesmo. Porto e Lisboa são muito diferentes.

A essência da cidade? As pessoas. As pessoas que vivem cá. O Património de qualquer cidade. Especialmente as pessoas que gostam da cidade, que amam a cidade. Mais as pessoas que lugares, coisas ou temas. Há um grande sentir de pertença e, para além disso, um sentimento de partilha. Era estrangeira e senti vontade de ficar.

As pessoas. Em Lisboa, muita gente vem de fora, mas no Porto as pessoas são quase todas de aqui perto. Se és convidado no Porto, as pessoas aceitam-te realmente. Sentes-te convidado e protegido. Penso que proteção é a essência.

O Porto é familiar. As pessoas no Porto são diretas e simples. Era uma sociedade burguesa composta por pessoas que construíram as suas vidas e fortunas através do trabalho. “Eu sou aquilo que faço.”

Aqui, quando conheces pessoas tens de preencher um formulário e esperar que a cidade estude o teu caso. O Porto aceita-te ou não. Não é fácil pertencer aqui. É preciso conquistar confiança. Uma história antiga: o Porto foi construído por comerciantes. Durante muito tempo a aristocracia não podia ter propriedade na cidade.

As pessoas são muito hospitaleiras, sentes instintivamente que pertences aqui. Quando cá cheguei descobri que era muito fácil encontrar o que precisava para criar relações com as pessoas. A escala da cidade e a forma como as coisas estão organizadas torna muito fácil andar para todo o lado e encontrar tudo o que precisas. Temos muitas mercearias e lojas tradicionais . Nunca estive num lugar com este tipo de fertilizante. Um ambiente especial que te dá tudo o que precisas para criar. Podes trabalhar aqui. Se fores a Lisboa não encontras este tipo de ambiente. As pessoas não são suficientemente engajadas. Na música e no design temos pessoas muito boas e despertas. Aqui temos o tempo necessário. As pessoas são mais lentas, levam mais tempo.

As pessoas do Porto: sempre que precisam de fazer alguma coisa começam do zero, sem ter o passado em conta ou começar a partir do que já existe. [[Nós não temos prova disso.]]

Uma cidade constrita: tem muitas regras e regulamentos que vêm do passado, da nossa História. O comportamento das pessoas. Parece ser uma cidade muito aberta, mas se queres fazer alguma coisa encontras obstáculos e muitos preconceitos. Perto do mar, comportamento de cidade balnear, estilo de vida ligeiro. O rural está muito presente, a cidade está no meio e tenta estabelecer ligações. Luta para se transformar numa cidade. Alguns projetos não têm público. Quando penso em Lisboa, os subúrbios estão integrados. Quando penso no Porto, os subúrbios não pertencem à cidade. [[Nós não temos prova disso.]]

Temos alguma capacidade para gerar coisas. Primeiro movimento: energia para pôr coisas a andar. Somos muito criativos e dinâmicos. Temos uma ideia e no dia seguinte estamos a executá-la. Por vezes somos muito impulsivos. É difícil manter. As pessoas valorizam os eventos sociais mas não os conteúdos, às vezes as aparências têm demasiado peso. Em Lisboa, as coisas estão mais integradas no dia-a-dia. Pessoas abrindo as portas. A priori estás dentro, és bem-vindo e tratado como “um de nós”. Desde que não faças nada de errado, tens sempre a oportunidade de mostrar quem és. Abertura e hospitalidade. Exemplos: deixei a janela do meu carro aberta para deixar secar um assento e os meus vizinhos batiam-me constantemente à porta para me dizer que me tinha esquecido de a fechar. Ou ainda: há uma casa onde vivem alunos de Belas Artes, pessoas jovens e com um aspeto relativamente estranho mas que são sempre simpáticos com a vizinhança. Deixam as portas sempre abertas e, mesmo que não estejam lá, os vizinhos tomam conta da casa. Uma vez ampliei um artigo que falava bem das nossas ruas e lojas e pu-lo na janela do meu atelier, virado para a rua. Os donos das lojas à volta ofereceram-me coisas de borla porque gostaram do gesto.

O Porto é uma cidade muito física. As pessoas são fechadas, resistentes. A cidade vive de circuitos fechados, diferentes e pouco inclusivos. As pessoas do Porto não procuram no relacionamento social, um entusiasmo por uma coisa leve. No geral, são pessoas dramáticas e emocionais. Algumas caraterísticas podem parecer negativas, mas são pessoas que procuram autenticidade. São desconfiadas, mas depois procuram relacionar-se.